sexta-feira, 23 de abril de 2010

Metafísica da vida cotidiana (do apego às conveniências)

Ah, este mundo de conveniências!
Ah, esta vontade vil de supremacia!
Há tanta gente pronta a se dizer sábia
E tão poucas que acolhem sua própria ignorância

Mas como sabedoria só nasce da humildade,
no mundo proliferam sábios empanturrados...
vaidosos de si. ignorantes da própria vaidade.

Ah, este mundo de conveniências
Há tantos que se adornam de ciência,
Há tanta gente segura até das dúvidas que finge nutrir,
que o palco das intenções acaba esquecido e vazio.

Mas como o saber só brota em corações famintos,
da ciência resta apenas o esqueleto endurecido,
privado de viço, prenhe de vícios.

Ah, este mundo de conveniências!
Ah, esta vontade vil de se impor!
Há tanta gente empenhada em dar respostas
que perdeu-se no tempo o ato de interrogar

Mas como a vida só se revela a quem busca,
segue o mundo embriagado de si mesmo
regido por cegos que se crêem videntes

Ah, este mundo de conveniências!
esta vontade vil de se impor!
Há tanta secura no horizonte dos gestos
que o solo do coração se torna árido e febril

Mas como a vida só brota onde existe umidade
tudo que é jovial sufoca sob o peso das convicções,
E segue o mundo no infértil exercício de suas ilusões.


Rodrigo de Barros

segunda-feira, 5 de abril de 2010

As vezes no silêncio..

E eis que , de repente, um silêncio tomou conta de todos...
Não uma simples pausa na conversa,
mas aquele silêncio que é capaz de revelar
até as profundezas de nossas intenções mais recônditas

Penetrando nas entranhas do Ser
ele vasculhava e revirava
como alguém que procura um pertence
há muito tempo perdido..
Embora alguns já tivessem se esquecido
no meio daquela bagunça toda
achou dúvidas submersas aos montes

E O silêncio seguia de modo indefinido..
O seu prolongamento continuava lentamente,
como alguém que com destreza se aproxima de todos.

A quietude indicava um sinal claro de omissão vacilante;
que de alguma forma perturbava os presentes.
Apesar disso, nenhum deles achavam meios, recursos,
sobretudo coragem, para vencê-lo, ou transcendê-lo.

Qualquer tentativa de intromissão
era esmagado pelo peso da tensão já criada;
pela culpa, medo e desconfiança gerada.

Olhares cabisbaixos se cruzavam
na esperança de uma possível reconciliação.
Tentativas de desviar o rumo da situação,
de entrar num estado de ânimo renovado,
eram drasticamente frustradas pela indiferênça.

O Silêncio havia se tornado sério e perturbador
O Seu peso era uma carga que todos custavam carregar

Dentro da caixa preta se apresentavam
a imensidão do escuro, o vazio infindável
e os fantasmas do desespero em prontidão
cada qual com seu quadro mudo
pregado na parede

Nenhum dos participantes era capaz
de admitir o que lhe tocava
muito menos de dizer que aquilo tudo
o pegara de surpresa
e trazia consigo sofrimentos reveladores

Antes quisesse recebê-los
como um estranho
um hóspede de longa data

Mas Não..

Não importava a razão do silêncio
ou o que ele trazia.
Apenas queriam a todo custo,
e o mais rápido possível,
estar livre daquele constrangimento.

Parecia que todos tinham o seu quinhão
e ninguém sairia ileso.
A Hora H estava prestes a soar,
e cada qual se aprontava
mirando sua estratégia de fuga..

E aconteceu que
passado a tensão do presságio
como uma flexa que é lançada
do braço de um homem forte
saíram todos da temerosa tensão do silêncio
a encobri-lo com dissimulações vãs,
observações momentâneas sem nexo,
pequenos falatórios sem profundidade,
e comentários de acontecimentos pretéritos sem muita relevância.

E o silêncio se despediu
como desnuda de uma roupa usada
foi mais uma vez
relegado ao esquecimento
frustrado pela desconfiança
levado pelo vento de outrora
a espera de outra noite
onde achasse guarida

Foi ele em esperança
a procura de um encontro
de ouvidos fortes
olhos corajosos
línguas gentis, sinceras e domadas
para que ali onde não se achou
se descubra algo mais
muito além de máscaras alertas

guto (2010/04)